A expectativa em torno do terceiro segredo de Fátima alimentou a ideia de um terrível castigo a cair sobre a humanidade. A revelação e a explicação do texto de Irmã Lúcia dado a conhecer pelo Cardeal Ratzinger trouxeram decepção em alguns setores da Igreja e da mídia. Devido ao gênero apocalítico, a linguagem simbólica necessitava da arte e da ciência da interpretação.
Alguns jornais disseram que não precisaria guardar segredo por tão pouco e que a Igreja com seu silêncio queria fazer sensacionalismo a seu favor. Há quem diga até hoje que o segredo não foi revelado. São aqueles que rejeitam o Concílio Vaticano II e o culpam pela crise que se seguiu e atinge, especialmente, o clero e a vida religiosa. A Virgem teria falado deste assunto.
Em contexto tão tumultuado, importava muito o que disse a Irmã Lúcia que a interpretação deveria ser dada pela Igreja. É o que fez o Cardeal Ratzinger por determinação do Papa São João Paulo II. O Cardeal era Presidente da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé e exerceu ensino da Teologia que muito favoreceria a justa interpretação da terceira parte do segredo. Ele salientou que a palavra-chave para interpretar é: “salvar as almas” e o tríplice “Penitência, Penitência, Penitência”, isto é, conversão ou volta para Deus. Diz uma frase orientadora: “A visão fala sobretudo de perigos e do caminho para salvar-se deles”.
O anúncio ou a mensagem de Fátima é um apelo à possibilidade de redenção e de salvação. Cristo é o único redentor e salvador. Ele é o mediador, mas faz-nos reconhecer a mediação de sua Mãe Santíssima e da nossa própria cooperação, através da penitência e da reparação, o que os Pastorinhos compreenderam e vivenciaram muito bem. Trata-se de nossa inserção em Cristo, ensinamento encontrado nas Cartas de Paulo. A Igreja é sacramento da salvação.
Consequentemente, Fátima traz em si para nós um anúncio de alegria e de vitória que pode e deve ser resumido também na frase: “O meu Imaculado Coração triunfará”. Assim disse o Cardeal no contexto do pós-guerra mundial: “Este Coração aberto a Deus, purificado pela contemplação de Deus, é mais forte que as pistolas ou outras armas de qualquer espécie. (…) …a liberdade para o mal deixou de ter a última palavra. O que vale desde então, está expresso nesta frase: “No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). A mensagem de Fátima convida a confiar nesta promessa”. Eis o núcleo do anúncio.
Contudo, não se pode pôr na sombra do esquecimento a ameaça. Toda profecia traz em si mesma o juízo divino. Com a linguagem do purgatório e do inferno e dos erros que a Rússia espalharia, temos a possibilidade de um futuro sombrio. O tema da paz também vem acompanhado do horror da guerra.
Através da inocência das crianças que viram a Senhora do Amor Perfeito vemos o contraste do mundo, sombrio e, infelizmente, nós mesmos como pecadores necessitados de perdão. A verdade da nossa realidade é apresentada, mas no clima de amor que deseja para si e para todos a salvação: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, levai as almas todas para o céu…”.
Como nos lembra Jean-Yves Leloup: “Por vezes os olhares que encontramos são muito amorosos, muito doces, mas falta a eles esta exigência da verdade. Outras vezes, os olhares que se colocam sobre nós são plenos de verdade e de justiça, mas falta a eles a misericórdia e o amor”. Conclui: “a verdade sem amor é Inquisição e o amor sem verdade é permissividade”. Por amar-nos, Maria nos diz a verdade. A misericórdia e a verdade, em Fátima, se encontram.